Fica, vai ter bolo! – Carolina Paz – Galeria Virgilio – 2018

Em 2017, Carolina Paz realizou pinturas baseadas em memórias e afetos despertados pelas palavras presentes em cartas recebidas como parte do projeto colaborativo: “Desejo Motivo”. Um ano depois, a galeria Virgilio mostra a exposição “Fica, vai ter bolo!”. Desta vez, Carolina define parâmetros, tais como tamanho, formato, técnica e tema, estabelecendo o contexto para que vinte pessoas de diferentes convívios sociais desenvolvam pinturas para a criação de um novo trabalho interpessoal. Em “Fica, vai ter bolo!”, a artista transfere ao outro a ação de pintar e divide com ele o espaço expositivo. Artistas e não artistas são cúmplices em uma experiência subjetiva compartilhada. Apesar da exposição apresentar pinturas de vinte e um indivíduos, não se define como coletiva, mas tampouco como individual. “Fica, vai ter bolo!” acontece na área intersticial, no interlúdio entre a artista, seus convidados e suas individualidades. Nesta área de transição e troca, Carolina está em muitas pessoas e as recebe para dialogar com suas trinta pinturas, produzidas nos últimos dois anos.

Os motivos individuais de cada participante vão do querer sentir-se dentro do processo proposto pela artista, passando pela possibilidade de usar a pintura para lidar com desejos não realizados, ao simples fato de não se ter feito parte de grupos sociais durante a vida. As vivências, no processo de criação da imagem, propiciaram a vinte indivíduos sentimentos de gratidão, nostalgia, experiências de autoconhecimento, ilusão de congelar o passado e de reviver momentos de família, possibilidade de reformular lembranças tristes ou incompletas e até mesmo de projetar acontecimentos futuros.

O conjunto de pinturas de Carolina apresentado nesta exposição vem desse lugar em torno da mesa, de afeto familiar, relaxado, de trocas, doação, celebração, desejo. A partir de movimentos espontâneos de estar presente, mergulhando em sentimentos que ativam memórias e vice-versa. São, portanto, a materialização da percepção do instante, respostas ao mundo a partir de sua subjetividade. O recorte visual não procura interpretar, mas puramente seguir essa rede de afetos e memórias que culmina em imagens do repertório da artista, por vezes aparentemente díspares, mas que compõem um corpo unificado em sua produção de arte.

Cada pintura armazena uma rede de relações sociais para existir. Como aquilo foi feito? Como foi parar ali? Quem o fez? Conheço o gosto? Aonde me leva? As imagens de cada tela são propulsoras de reações encadeadas de afeto. Como diz Carolina: “Está tudo disponível no mundo.” O que em geral falta são as ligações, os vínculos, a troca, a convivência.

As telas maiores foram pintadas sobre a intimidade de lençóis e parecem nos convidar à exploração de seus espaços, mantendo ao mesmo tempo uma tensão de voyerismo. Já os pequenos formatos sugerem a apreensão pelas mãos, como objetos. Seus tecidos e acabamentos, tais como cordas, franjas e pompons reforçam ainda mais a experiência tátil e carregam referências domésticas. Ao adicioná-los às bordas das pinturas, Carolina interfere nos limites entre pintura e parede, obra e suporte, interno e externo, sujeito e objeto, facilitando o estabelecimento de diálogos com as pinturas de seus convidados.

O processo da pintura em muito se assemelha ao de cozinhar. Gestos como o de temperar, homogeneizar, polvilhar, vitrificar, reduzir, montar, encontram correspondência na pintura. Tanto quanto seus óleos e cheiros, diluições, cores, relações com o tempo e a busca de um resultado que traz prazer aos sentidos e que carrega consigo quem somos e de onde viemos.